Monitoramento de Alta Cardinalidade: 10 Estratégias para Gerenciar Métricas em Escala

Introdução ao Desafio da Cardinalidade no Monitoramento Moderno

No universo da engenharia de software e devops, o monitoramento é a espinha dorsal que sustenta a confiabilidade e o desempenho de sistemas complexos. Coletamos métricas para entender o comportamento de aplicações, infraestrutura e serviços. No entanto, à medida que os sistemas crescem e adotam arquiteturas de microsserviços e contêineres, surge um desafio formidável: o monitoramento de alta cardinalidade.

A cardinalidade, no contexto de métricas, refere-se ao número de séries temporais únicas geradas por uma métrica e suas combinações de labels (ou tags). Uma métrica como http_requests_total com um label status_code (200, 404, 500) tem baixa cardinalidade. Adicione labels como user_id, session_id ou container_id em um ambiente com milhões de usuários e milhares de contêineres, e a cardinalidade explode. Esse fenômeno, conhecido como “explosão de cardinalidade”, pode sobrecarregar bancos de dados de séries temporais (TSDBs) como o Prometheus, levando a um consumo excessivo de memória, armazenamento dispendioso e consultas extremamente lentas.

Gerenciar essa complexidade não é apenas uma questão técnica, mas uma necessidade estratégica para manter a observabilidade sustentável e financeiramente viável. Ignorar a alta cardinalidade resulta em plataformas de monitoramento instáveis, custos operacionais crescentes e, ironicamente, uma menor capacidade de obter insights valiosos dos dados coletados. Este artigo explora dez estratégias fundamentais para domar a alta cardinalidade e construir um sistema de monitoramento robusto e escalável.

O Que Exatamente é Alta Cardinalidade?

Para entender as estratégias, é crucial solidificar o conceito de cardinalidade. Imagine uma métrica chamada api_latency_seconds. Sozinha, ela representa uma única série temporal. Agora, adicionamos labels para contextualizar os dados:

  • endpoint: /users, /products, /orders (3 valores únicos)
  • method: GET, POST (2 valores únicos)
  • region: us-east-1, sa-east-1 (2 valores únicos)

A cardinalidade total para esta métrica é o produto dos valores únicos de cada label: 3 * 2 * 2 = 12 séries temporais. Este é um cenário de baixa cardinalidade, facilmente gerenciável.

O problema surge quando introduzimos labels com um número vasto e imprevisível de valores únicos. Considere adicionar:

  • customer_id: 1.000.000 de clientes
  • pod_name: Kubernetes gera nomes únicos a cada deploy, ex: api-webapp-7bdfc8c7f5-l9z2x

A cardinalidade agora salta para milhões ou bilhões de séries temporais. Cada uma dessas séries precisa ser indexada, armazenada e processada, sobrecarregando os recursos do sistema de monitoramento. O desafio, portanto, não é eliminar labels, mas escolher deliberadamente quais são necessários e como gerenciar aqueles que, por natureza, possuem alta cardinalidade.

10 Estratégias Essenciais para o Gerenciamento de Alta Cardinalidade

Enfrentar a alta cardinalidade exige uma abordagem multifacetada, combinando boas práticas de instrumentação, arquitetura de sistemas e governança de dados. A seguir, detalhamos dez estratégias eficazes.

1. Revisão e Agregação de Labels

A primeira linha de defesa é a higiene dos dados na fonte. Nem todo dado contextual precisa se tornar um label de métrica. É fundamental revisar periodicamente as métricas e seus labels para identificar e remover informações de alta cardinalidade que não são essenciais para alertas ou dashboards agregados.

Ações práticas:

  • Remova labels de identificadores únicos: Evite usar request_id, trace_id, ou user_email como labels de métricas. Esses dados são mais adequados para logs ou traces.
  • Agregue dimensões: Em vez de usar um endereço IP individual como label, agrupe-o por sub-rede (ex: /24). Em vez de um user_id específico, use uma categoria de usuário (ex: ‘free_tier’, ‘premium’).
  • Utilize Recording Rules: Em sistemas como o Prometheus, use ‘recording rules’ para pré-agregar métricas. Crie novas métricas de menor cardinalidade a partir de consultas sobre dados de alta cardinalidade, e use essas novas métricas em dashboards e alertas.

2. Uso Estratégico de Exemplars

Exemplars são uma funcionalidade poderosa, especialmente em ecossistemas como Prometheus e Grafana, que permite associar metadados de alta cardinalidade (como um trace_id) a um ponto de dados específico em uma série temporal, sem que esses metadados se tornem um label. Isso permite conectar uma métrica agregada a um evento específico e investigá-lo em um sistema de tracing, como Jaeger ou Tempo.

Com exemplars, você pode responder à pergunta “mostre-me um exemplo de uma requisição que contribuiu para este pico de latência” sem precisar criar uma série temporal para cada requisição.

3. Adoção de Soluções de Monitoramento Distribuídas

Um único servidor Prometheus tem seus limites. Para ambientes em hiperescala, soluções de monitoramento distribuídas e horizontalmente escaláveis são necessárias. Ferramentas como Thanos, Cortex, Grafana Mimir e VictoriaMetrics foram projetadas para lidar com bilhões de séries temporais.

Essas plataformas distribuem a carga de ingestão, armazenamento e consulta entre múltiplos nós. Elas utilizam técnicas como sharding (divisão de dados) e replicação para garantir alta disponibilidade e desempenho, mesmo sob a pressão da alta cardinalidade.

4. Implementação de Sampling Dinâmico

Nem toda métrica precisa ser coletada a cada segundo de cada fonte. Implementar sampling (amostragem) pode reduzir drasticamente o volume de dados sem uma perda significativa de visibilidade, especialmente para métricas de alta frequência e cardinalidade. A amostragem pode ser feita na fonte (head-based sampling) ou em um coletor central (tail-based sampling), permitindo decisões mais inteligentes sobre o que manter com base em padrões de interesse, como eventos de erro.

Ferramentas como o OpenTelemetry Collector oferecem processadores de amostragem flexíveis que podem ser configurados para reduzir a cardinalidade de forma inteligente.

5. Separação de Métricas por Domínio de Cardinalidade

Uma estratégia arquitetural eficaz é isolar as cargas de trabalho. Em vez de enviar todas as métricas para um único sistema monolítico, crie clusters de monitoramento separados para diferentes domínios de cardinalidade. Por exemplo:

  • Cluster de Baixa Cardinalidade: Para métricas de infraestrutura (CPU, memória, disco), que são vitais e geralmente estáveis.
  • Cluster de Alta Cardinalidade: Para métricas de aplicação, métricas de negócio ou dados de telemetria mais detalhados, utilizando uma solução escalável como as mencionadas no ponto 3.

Essa separação protege as métricas críticas de serem impactadas pela instabilidade gerada por uma explosão de cardinalidade em métricas menos essenciais.

6. Utilização de Logs para Dados de Alta Cardinalidade

Muitas vezes, a alta cardinalidade surge da tentativa de usar métricas para responder a perguntas que seriam mais bem respondidas por logs. Métricas são ideais para agregar e entender tendências. Logs são ideais para registrar eventos discretos com contexto rico e de alta cardinalidade.

Em vez de criar uma métrica login_failures{user="[email protected]"}, registre um log estruturado: {"level": "warn", "event": "login_failure", "user": "[email protected]", "reason": "invalid_password"}. Ferramentas de gerenciamento de logs como Loki ou Elasticsearch permitem consultar esses dados de forma eficiente e até mesmo gerar métricas agregadas a partir deles (metrics-from-logs).

7. Implementação de Limites e Alertas de Cardinalidade

Trate a cardinalidade do seu sistema de monitoramento como uma métrica crítica. Monitore a sua própria plataforma de observabilidade. Configure alertas que disparem quando a cardinalidade total ou a cardinalidade de uma métrica específica exceder um limiar predefinido. Isso permite detectar e corrigir problemas proativamente, antes que eles causem uma falha no sistema.

Plataformas modernas como o Grafana Mimir oferecem ferramentas integradas para análise de cardinalidade, ajudando a identificar rapidamente quais métricas e labels são os principais ofensores.

8. Otimização de Tipos de Dados e Compressão

Embora seja uma otimização no nível do backend, a escolha de uma plataforma de monitoramento com algoritmos de compressão eficientes é crucial. Bancos de dados de séries temporais modernos utilizam técnicas avançadas como Gorilla TSDB, Delta-of-Delta e Zstd para minimizar drasticamente o espaço de armazenamento e acelerar a recuperação de dados. Ao avaliar uma solução, considere sua eficiência de armazenamento, pois isso impacta diretamente os custos de infraestrutura em escala.

9. Fomento a Consultas Conscientes da Cardinalidade (Cardinality-Aware Querying)

A forma como os dados são consultados também impacta o desempenho. Eduque as equipes a escreverem consultas eficientes. Consultar um longo período de tempo sobre uma métrica de alta cardinalidade sem qualquer agregação pode derrubar o sistema.

Boas práticas de consulta:

  • Sempre que possível, use funções de agregação (sum, avg, rate) para remover labels de alta cardinalidade da saída final.
  • Em dashboards, evite criar variáveis de template baseadas em labels de alta cardinalidade.
  • Comece com intervalos de tempo menores ao explorar novos dados.

10. Governança de Métricas e Cultura de Observabilidade

Finalmente, a estratégia mais sustentável é cultural. Incorpore a gestão da cardinalidade no ciclo de vida de desenvolvimento de software. Crie uma cultura de observabilidade onde os desenvolvedores entendem o custo e o impacto das métricas que emitem.

Implemente um processo de governança de métricas. Isso pode incluir a documentação de um “catálogo de métricas”, revisões de código (pull requests) para novas instrumentações e a definição de padrões claros sobre como nomear métricas e quais labels são aceitáveis. A responsabilidade pela observabilidade deve ser compartilhada entre as equipes de SRE/Plataforma e as equipes de desenvolvimento de produtos.

Gerenciar a alta cardinalidade não se resume a escolher a ferramenta certa; é uma disciplina contínua que combina arquitetura, práticas de instrumentação e governança. Ao aplicar essas dez estratégias, as organizações podem transformar o desafio da alta cardinalidade em uma oportunidade para construir sistemas de observabilidade que são não apenas poderosos e escaláveis, mas também eficientes e sustentáveis a longo prazo, garantindo que os dados coletados gerem valor real para o negócio.